Carta aos Yanomami

São Paulo, 22 de fevereiro de 2013.

Querida professora Luana e colegas Yanomami,


Gostaríamos de agradecer, desde já, a possibilidade de dialogar com vocês por meio desta carta. Acreditamos que será muito enriquecedor para todos nós conhecer, diretamente, um pouco mais sobre uma cultura indígena e o seu cotidiano para não conservarmos impressões erradas, reproduzidas, principalmente, nos livros e nos meios de comunicação.

Nós, um pouco mais de cem alunos e alunas de uma escola em São Paulo, a maioria com treze anos de idade e orientados pelo nosso professor de História, iremos descrever um pouco como é a vida na maior cidade do Brasil, antes de listar algumas perguntas ligadas aos nossos estudos e às nossas curiosidades. Espero que vocês, ao longo desses dois meses, possam descrever e compartilhar um pouco da vida e da história de vocês no extremo norte do país.

São Paulo é uma cidade muito grande. Toda ela é formada por muitas casas e prédio; muitas ruas e avenidas. Não temos florestas, apenas parques. Nem todos os moradores nasceram na cidade. Muitos pais e mães vieram de outras cidades e de outros países no passado. Ou seja, várias culturas diferentes vivem na mesma cidade. Quase todas as famílias não dividem o que têm uma com as outras.

A maioria das crianças brinca e estuda antes de se tornarem jovens, enquanto a maioria dos adultos trabalha para conseguir dinheiro. É com o dinheiro do trabalho que as famílias adquirem o que precisam para viver: a moradia, o uso de água e energia elétrica, a alimentação, a vestimenta, o calçado, o cuidado com a saúde, a educação, o transporte, os móveis e utensílios domésticos, os aparelhos eletrônicos, a diversão, etc. Gastamos dinheiro em todos os lugares mas, confessamos, não precisamos de tudo que compramos. Também usamos dinheiro para pagar impostos ao governo. É com esse dinheiro que os políticos deveriam cuidar das cidades de todo o país. Mas nem todo dinheiro é usado e, muitas vezes, parte dele é mal utilizado ou roubado pelos próprios políticos ou pelos seus colegas.

Os adultos não ganham a mesma quantia de dinheiro com o seu trabalho. A quantia varia de acordo com a sua atividade. E quando um adulto trabalha para outro, esse outro sempre ganha uma maior quantia de dinheiro. Como todos gastam o dinheiro para comprar o que precisam e não precisam para viver, todos produzem lixo e poluem muito o ar da cidade. Aqueles que não trabalham, não ganham dinheiro e, muitas vezes, não conseguem comer, vestir-se, morar, como os que trabalham. Alguns usam a violência para sobreviver e roubam, sequestram e matam outras pessoas.

Sem o cuidado e a atenção do governo, cada um tenta viver como pode sem se preocupar com os outros ao seu redor. Nem todos acreditam em deuses, nem participam de rituais. Todos parecem sobreviver na selva como os animais. Para tentar relaxar, a maioria se encontra pela cidade, escuta vários tipos de músicas diferentes, gosta de assistir televisão e filmes e se conectar com os outros e com o mundo através do computador e da Internet.

Abaixo, listamos e organizamos algumas perguntas. Ficaríamos muito felizes se vocês pudessem respondê-las!

Sobre a organização da etnia

- Vocês estão organizados em quantas aldeias? Quantos integrantes têm em cada aldeia? Cada uma tem um líder político, um cacique? Quantos anos tem o cacique? Cada uma tem um líder religioso, um pajé? Quantos anos tem o pajé? Quem toma as decisões na aldeia? Tem mais velhos, adultos, jovens ou crianças? Tem mais homens ou mais mulheres? Existe escola indígena? O governo ajuda vocês em algo? Como? Vocês têm documentos? E direito ao voto?

Sobre o cotidiano

- O que os homens fazem ao longo do dia? E as mulheres? E as crianças, brincam? De quê? E os mais velhos, o que fazem? O que vocês plantam e caçam? Quantas refeições fazem por dia? O que comem? Quais as ferramentas, instrumentos e utensílios domésticos produzem? O que vocês fazem quando não tem nenhum trabalho na aldeia? Vocês se comunicam com outras tribos? Quais os transportes vocês utilizam para se deslocarem? Vocês praticam alguma esporte? Vocês possuem animais de estimação? Quais os animais vocês temem?

Sobre as características culturais

- Qual a principal marca da etnia de vocês? Como são as suas moradias? De que material são feitas? Quantas pessoas acomodam cada uma? Onde vocês dormem? Como se vestem os homens? E as mulheres? Qual a língua falada por vocês? Existem livros para ensiná-la? Como vocês fazem para preservá-la? Vocês fazem rituais para tudo? O que os meninos precisam fazer para serem considerados homens? E as meninas para serem consideradas mulheres? O homem pode namorar e ter filhos com mais de uma mulher? E a mulher? Parentes podem namorar e se casar? As famílias costumam ter muitos filhos? Vocês acreditam em vários deuses? Quais são os principais? Fazem muitas festas? Quais? Vocês se pintam? Sempre ou apenas para os rituais/festas? Todos dançam? Todos tocam instrumentos? Quais? Vocês conseguem curar quais doenças com ervas medicinas? Vocês têm medo da morte? O que se faz quando alguém morre? Vocês já expulsaram ou podem expulsar algum integrante da tribo? Qual o critério para a expulsão?

Sobre o contato com a "cidade" e com o "branco"

- Vocês convivem com muitas pessoas da "cidade"? E com muitos "brancos"? Essa convivência é tranquila ou perigosa? Vocês gostariam de se comunicar mais com a "cidade" e com os "brancos"? Há conflito pela posse da terra? Vocês têm aparelhos eletrônicos? Quais? Vocês utilizam energia elétrica? Você têm acesso ao rádio e à televisão? Vocês têm acesso à Internet? Vocês fazem uso do dinheiro? Se sim, quem controla o uso do dinheiro? Muitos saem da aldeia com frequência? Se sim, quais os locais que frequentam? É permitida a visita de alguém da cidade? Qual o critério para realizar uma visita? Quais os famosos brasileiros mais conhecidos por vocês? E os famosos internacionais?

Aguardamos, ansiosos, notícias de vocês!

Um forte abraço, 
Professor Danilo e seus alunos.





[Esta carta é o resultado do encontro de dezenas de cartas. Ela começou a ser escrita nas primeiras aulas do ano quando, ainda falando das férias, senti a necessidade de começar a caminhada apresentando quatro recentes conflitos étnico-nacionais que chegaram à mídia e às redes sociais: na Bahia, no Mato Grosso, no Pará e no Rio de Janeiro - para trabalhar "expansão territorial no período colonial". Aproveitando o contato com uma amiga e excelente educadora, Luana Robles, decidimos nos comunicar. Para isso, os alunos descreveram, em grupo, a vida na "cidade grande" (São Paulo/SP) e listaram, individualmente, algumas perguntas com suas curiosidades. Ela tem como destino o extremo norte do nosso país: próximo às fronteiras que nos ligam/separam dos nossos companheiros latino-americanos e à cidade de Santa Izabel do Rio Negro. Agora, é só esperar...]

Nenhum comentário:

Postar um comentário