A carta dos Yanomami

Amazonas, abril de 2013.

Queridos jovens e querido professor Danilo,

Espero que esta carta encontre-os todos bem! Os alunos da Escola Indígena Kahirayoma Yanomami gostaram muito de receber a carta e as fotos que vocês enviaram. Ficaram todos impressionados com a quantidade de prédios da cidade de São Paulo.

Tive dúvida a quem deveria escrever a versão final desta carta, eu ou um aluno Yanomami. Optei por escrever eu mesma, uma vez que assim posso esclarecer um ou outro ponto que possa vir a ficar um pouco confuso (para nós) na narrativa deles. Explico por quê.

Os Yanomami são um povo de cultura oral. Sua língua foi grafada há somente 20 anos, então faz muito pouco tempo que eles lidam com a cultura escrita. Outra dificuldade é a escrita em língua portuguesa, que para eles e para a escola que eles frequentam é considerada como uma segunda língua, e somente alguns têm domínio.

Respondemos às perguntas de forma coletiva em sala de aula, durante o mês de março, e registramos as respostas com a ajuda de um redator. 

Agora convido vocês, primeiramente, a fazer uma viagem até o norte do país, aterrizando na cidade de Manaus, a maior da região. De lá nós pegaremos um barco, chamado "recreio", no qual percorreremos cerca de 900 kms rumo ao interior do Amazonas, navegando pelo rio Negro até a cidade de Santa Isabel. Vocês podem pesquisar sobre essa cidade na Internet, mas adianto que, segundo o último Censo, aproximadamente 80% dos moradores declararam-se indígenas, de etnias diversas. Os Yanomami vivem, em sua grande maioria, nas aldeias.

Depois de chegar nessa cidade, ainda pegaremos um barco menor, que chamamos de "voadeira", e subiremos o rio Marauiá. Por meio desse rio, adentramos a TIY (Terra Indígena Yanomami) onde encontraremos os "xapono" (aldeia). Essa viagem dura mais dois ou três dias, dependendo da cheioa ou baixa do rio.

Para compreendermos outras culturas é necessário que nos tornemos um "copo vazio", ou seja, que nos esvaziemos por um momento de nossa própria cultura para que novas informações possam preencher este espaço!

Boa viagem!

Carta para os São Paulo teri

No rio Marauiá nós vivemos em dez aldeias, mas têm muitas aldeias em outros rios que nós não conhecemos. Têm aldeias no Amazonas, em Roraima e também na Venezuela. No nosso xapono, que se chama Pukima Beira, vivem 116 pessoas e este número está aumentando. Têm xapono com menos gente (Raita, com 96 pessoas) e outras com mais (Kona, com 225 pessoas).

Cada aldeia tem, pelo menos, duas lideranças, que chamamos de periomi. Se a aldeia é muito grande pode ter até 5 periomi. Na nossa aldeia tem dois, um deles tem 37 anos e o outro 39. Nas outras aldeias nós não sabemos.

Nosso xapono tem só um hekura (pajé), mas existem outras aldeias que têm muitos. Apesar de termos só um hekura, temos seis que ainda são estudantes. O hekura de verdade tem que ser velho.

Quando precisamos resolver algum problema ou tomar uma decisão, nós fazemos reunião que só termina quando todos estiverem felizes.

Aqui no nosso xapono têm muitas crianças e jovens e somente seis velhos. A menina é considerada mulher depois da primeira menstruação. Depois ela já pode se casar. O menino vira homem quando sua voz fica forte e ele começa a levar alimento para casa para ajudar a família.

O governo nos ajuda em algumas coisas. Nós temos direito ao Programa Bolsa Família". Também a prefeitura paga o salário dos professores e manda material escolar e livros. Temos também um posto de saúde para tratar as doenças que vieram dos napë (não índios). 

Muitos de nós têm documentos, mas é muito difícil de tirar porque a cidade é longe, por isso nem todo mundo tem. Quando tem eleição, quem tem título de eleitor desce para a cidade para votar, mas isso também é difícil porque eleição é um dia só e temos que sair da aldeia vários dias antes.

Homens e mulheres fazem trabalhos diferentes. Os homens caçam, pescam, fazem roça, constroem casas, tiram açaí, patauá e buriti do mato, limpam ao redor da aldeia e os caminhos, fazem arcos e flechas. As mulheres pegam caranguejo, pegam peixes com a mão, fazem cestos, trabalham na roça, pegam lenha e água, fazem farinha, cuidam dos ihiru (crianças), costuram roupas, fazem colares, fazem rede de algodão e de cipó. 

Os velhos gostam de contar a história dos antigos. Quando o trabalho acaba, nós descansamos e conversamos em volta do fogo. Não temos hora para comer, nós comemos toda hora, sempre quando tem comida. 

Nós temos alguns bichos de estimação: cachorros, papagaios, periquitos, gatos, mutuns, galinhas, macacos... Tem outros bichos que temos medo: onça, cobra, escorpião, aranha, jacaré, tucandeira, peixe elétrico...

Nós temos poucos aparelhos eletrônicos porque não tem energia elétrica nas aldeias. Temos rádios e dvd´s portáteis, mas é difícil de carregar, temos que usar a placa solar do posto de saúde. Aqui no nosso xapono temos um representante que cuida do dinheiro do Bolsa Família, mas cada um escolhe o que quer comprar com o seu dinheiro.

Nós queremos que vocês nos mandem mais fotos daí da cidade de vocês. Queremos fotos do rio e da floresta também. Gostamos muito de receber a carta, esperamos que vocês gostem de receber a nossa também.

Abraço grande,
Alunos Yanonami e professora Luana.

Perguntas

- Qual é o tipo da escola de vocês? Como ela funciona? Qual horário que vocês estudam? Sobre o que vocês estudam?
- Como é a vida em São Paulo? Como é a casa de vocês?
- Quem são as lideranças de vocês? Eles ajudam vocês? A liderança diz no que vocês têm que trabalhar?
- Quantas pessoas têm na cidade de São Paulo? Como funciona o sistema de saúde daí? Tem quantos hospitais?
- São Paulo tem floresta? Comem carne de caça? A água é boa? Tem rio aí?

- Quando vocês casam? Vocês têm muitos filhos? Os antigos contam histórias da família? Seus parentes vão visitar vocês? Os irmãos e irmãs se ajudam?
- São Paulo é perigosa?





[Conclusão: todes adoraram. A atividade estimulou e promoveu várias discussões e reflexões sobre diferenças culturais e modos de viver. Vale a pena escrever uma carta e (re)descobrir nossa relação com a escrita, com a distância, com as curiosidades, com os relatos e com o tempo!]

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