Congresso Paulo Freire

Com o tema "A Educação como prática de liberdade: 50 anos", conferi a explanação da professora Luiza Cortesão e participei de uma roda de conversa, dinamizada por Mabel Cavalcanti, sobre "Educação e Cidadania em Paulo Freire: um diálogo de liberdade de esperança" no congresso realizado na Escola Secundária D. Dinis (Lisboa, 17 e 18 de novembro). Não conhecia a professora emérita da Universidade do Porto. Já a poeta-educadora, minha conterrânea, tive o prazer de reencontrá-la para conferir sua fala tão fraterna, humana e sincera.

[Nas formalidades de abertura, esteve presente o representante de Cultura da embaixada brasileira, Carlos Kessel, que fez um discurso romântico sobre o intelectual em questão e sua relação com ele por meio de uma instituição escolar. Entretanto, nada foi dito sobre a visão atual, histérica e reacionária, sobre Paulo Freire no período pré-e-pós-Golpe. Como se nada estivesse acontecendo no Brasil. Ossos do ofício, dever público, silêncio temeroso.]

Luiza Cortesão atentou-se sobre dois pontos: a politicidade da Educação e o conceito freiriano de inédito viável. O primeiro passo dado foi deixar a mesa, aproximar-se do público e tentar conhecê-lo como era possível: quem é professor do Ensino Básico, do Secundário e do Superior? Na sequência, apresentou algumas questões para estimular reflexões: que não vai, não gosta e reprova/desiste da escola? Ainda para potencializar as reflexões apresentou alguns dados referentes ao anafalbetismo, ao desempenho escolar por região portuguesa, no público e no privado, de acordo com o escalão familiar e com a escolaridade da mãe, no campo e na cidade... e usou dados brasileiros para destacar a questão étnico-raciais.


Foi-se guiando um caminho pela escola para percebermos que as diferenças não são levadas em conta. A desigualdade é reflexo desta diversidade e a escola, por sua vez, ignora (diminue e/ou elimina) a diversidade reproduzindo a desigualdade. Exclue - ou melhor, expulsa. Tenta encaixar diferentes alunos no mesmo currículo; avaliar diferentes alunos com os mesmos Exames Nacionais. Castigar e medicalizar são ressaltadas como medidas mais do que desumanas e prejudiciais.  Destaca a existência de fendas, valas e abismos na relação aluno-professor-escola.

Ou seja, para fazer uso de uma pedagogia humana que abrace a diversidade é preciso enxergar o que há de político e fazer política. É inevitável, preciso e urgente. Não fazer política é fazer - ou melhor, é deixar fazer. E, para compreender a diversidade cultural, cita Boaventura, é preciso considerar a incompletude das culturas: essa é a condição que alimenta a diversidade. Como quebrar todas essas barreiras: inovar, propor o viável. É o professor que pode fazer uso dessa arma. É essa infiltração que pode promover transformação. Para reforçar seu olhar, sugere leituras: Cuidado, escola!, críticas em quadrinhos; O arco-íris na sala de aula?, de sua autoria; e Os herdeiros: a escola e a cultura, de Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu - além dos conceitos de daltonismo cultural, violência simbólica e saberes escolares rentáveis, recontextualização e justiça cognitiva. 

É preciso usar a utopia para (fazer) andar; é preciso usar as raízes para (permitir) ser outra coisas. Em seguida, trocamos e-mails: solidarizou-se com o (auto)exílio e confortou-me com sua experiência na ditadura salazarista. Contato estabelecido e a ser cultivado pelo Instituto Paulo Freire [Porto]. Mais um frutífero e inesquecível encontro!


Mabel Cavalcanti, com seu coração aberto, sua fala doce e sua papo reto, antes de mergulhar na sua pesquisa sobre o Movimento Graal - de alfabetização em Portugal a partir do "método" freiriano - e a Metodologia do Cuidado [de si, do outro e do planeta], fala do seu contato com o professor no agreste pernambucano e aproxima-se de todos com uma dinâmica simples e intensa. Ao conhecer as "pessoas mais lindas desse mundo" sem as quais "não pode viver", enlaça todxs tornando dezenas em um só. Ligando vidas, discorre sobre a importância de ver vida na sala de aula. E não só ver: tocar, abraçar, acarinhar, puxar, impulsionar, soprar, voar, inspirar, provocar, trocar. Ler o outro, escrever no outro e deixar-se escrever.

Evidencia, sutilmente, que é na relação com o outro que está a cidadania porque sem o outro não há educação. Relembra Gramsci ao afirmar que todos são intelectuais (incompreendidos) e que a escola deveria ser mais um ambiente de dúvidas e não de certezas. E que a tríade povo-palavra-liberdade é tão substancial quanto a autonomia-produção-partilha: um caminho. Alguns obstáculos foram citados pelos participantes como: as implicâncias entre professores, as limitações da direção, a estrutura escolar e a resistência dos alunos. Obstáculos pequenos e pontuais frente ao legado de Paulo Freire. Porque ele é amor e revolução: é (re)construção diária. É para os que tem coração e coragem!

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Alguns participantes partilharam contatos educacionais portugueses atentos e acolhedores: Ordem dos Cidadãos, Movimento Escola Moderna e Educação para Cidadania Global.

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