A carta no mundo digital

Computadores. Iphones, smartphones, telefones. Facebook, Instagram, Wathsapp. Sociedade e redes sociais. Tornou-se  quase impossível ignorar a presença das novas tecnologias no nosso cotidiano. O mundo todo está conectado enquanto algumas localidades continuam desconectadas. Todos parecem mais próximos mesmo distantes. A comunicação parece ser superior ao tempo. Esperar parece ser um dos mais cruéis sacrifícios.

Estimulado por essas questões e pelo assunto abordados em sala de aula com turmas do Oitavo Ano (Expansão territorial durante o período colonial), propus aos alunos a elaboração de uma carta à tribo Yanomami e eles toparam - em parceria com a amiga-acadêmica Luana Robles, pesquisadora e professora na área da Educação Indígena. De imediato, eles acharam engraçada a iniciativa e ficaram curiosos e intrigados. Encheram de perguntas suas cartas e transformei-as em uma só. 

Para ler a carta aos Yanomami, clique aqui!


Informei aos alunos que a carta demoraria a chegar porque ela não chegaria na tribo. Ela chegaria nas mãos da professora na cidade de Santa Izabel do Rio Negro (Amazonas) e levaria alguns dias de barco até a sua chegada na aldeia. Por ser professora dos professores indígenas, a carta não seria lida de uma só vez: seria transformada em várias conversas a fim de construir a carta-resposta. Ou seja, a carta-resposta levaria um tempo para chegar, algum tempo para ser lida por completo, outro tempo para ser escrita e mais um para chegar ao colégio. Isso fazia com que os alunos perguntassem sobre a carta-resposta com frequência, ansiosos e impacientes. Daí, o primeiro exercício válido: esperar no presente acelerado.

Depois de meses, a carta chegou e os alunos ficaram eufóricos. Li toda ela em todas as turmas e nos organizamos para receber a professora no colégio para um bate-papo. As diferenças culturais deixaram os alunos impressionados, levando-os a comparar e questionar a qualidade de vida na cidade de São Paulo e na tribo indígena. Segundo exercício: (des)construir impressões sobre a vida indígena, refletir sobre as diferentes formas de vida e o uso das tecnologias.

Para ler a carta dos Yanomami, clique aqui!


Não satisfeitos, aproveitei o contato com a amiga-professora Sandra Martins e resolvemos escrever uma outra carta para os alunos de uma cidade pequena, Santa Amélia, do interior de São Paulo. A dinâmica foi diferente: as cartas de alguns alunos seriam escolhidas e direcionadas para outros alunos. A mediação docente foi fundamental, mas menos intensa do que a anterior. Mais uma vez, ainda que no mesmo Estado, foi preciso esperar.

O resultado causou um impacto inverso: os alunos da capital imaginaram que a vida numa cidade do interior seria muito diferente da deles - todos de colégios privados. A surpresa foi fundamental para percebermos que o mundo encontra-se conectado para alguns e os hábitos culturais dos conectados são semelhantes: academia, cinema, convívios e consumos, encontros no final de semana, viagens ao litoral e internacionais, entre outros. A grande diferença era a dimensão das cidades e a questão da segurança e violência urbana. Obviamente, tornou-se inevitável dialogar sobre as desigualdades e os privilégios sociais. Terceira exercício: (des)contruir as impressões sobre a vida longe da "cidade grande".


A experiência foi, absurdamente, rica - tanto para os alunos como para os professores. Distância, diferenças, desigualdades. Hábitos culturais, qualidade de vida, tempo. Uma atividade com várias possibilidades de desdobramentos - tanto históricos como interdisciplinares. Esta, por exemplo, contou ainda com produção poética, leitura de Contos indígenas brasileiros, de Daniel Munduruku, e produção de interpretações corporais a partir dos contos. 

Fica a dica: para as salas de aulas e para todos. Quantas cartas você já escreveu na vida? Escrever faz bem: com caneta ou lápis, cartas longas ou cartão postal, usando a mente e as mãos, registrando-se para o outro, mata a saudade e torna-se boa lembrança!

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Como não há autorização para a divulgação de imagens dos indígenas, os alunos, por meio da professora, tiveram acesso e puderam apreciar no encontro final.

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Na sequência, pensamos em trocar cartas com outro continente. Alguns colégios de países africanos lusófonos foram contactados por e-mails, mas nenhum retornou.

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