A escola nunca educou sozinha. Nem ontem e
muito menos hoje. A escola – instituição formada por profissionais especializados
para preparar os mais novos ao mundo real (e/ou ao cruel mercado de trabalho) – é
considerada por muitos, ainda, como um ambiente fundamental para a formação de
crianças e adolescentes. É em seu interior que se aprende a escrever, ler e
contar. Mas é dentro e fora dela que se aprende a pensar e a (re)agir.
É um erro grave achar que a escola adquire um
protagonismo na formação das novas gerações. Tal erro torna-se mais grave ao
desprezarmos a família, a religião, os círculos de amizades, a televisão, os
hábitos culturais, as redes sociais e tudo o que nos circunda como menos
importante do que a escola. Isso porque, como afirmou Émile Durkheim, a
educação é “una e múltipla”. Ou seja, ela acontece do nascimento à morte; de
diversas maneiras e por diversos meios. A todo momento e em todo lugar é
possível apre(e)nder.
Socialização primária e socializações secundárias
Antes da escola, existe o núcleo familiar. É com ele que os mais novos vivem seus primeiros anos de vida. Aprendem a andar e
a falar, por exemplo, assim como aprendem uma série de informações, manias,
posturas e valores morais. Esse aprendizado dá-se pela observação, pela
imitação e pela repetição e é denominado, por Peter Berger e Thomas Luckmann, como socialização primária por ser mais
duradoura, enraizante, intensa e profunda do que todas as outras, paralelas e
seguintes - denominadas de socialização
secundária.
A escola, portanto, promove uma socialização
secundária às crianças. Elas não aprendem tudo do nada e do zero. Pelo
contrário, elas aprendem a partir da bagagem que adquirem na socialização
primária. Desse modo, tal bagagem serve para favorecer ou não as conexões com as
socializações secundárias – que aparecerão ao longo de toda a vida.
Destaquemos: o que se acumula na bagagem influencia as conexões.
Considerando que a família é responsável por
oferecer os primeiros conteúdos da bagagem dos filhos, é preciso ter atenção
com as bagagens exigidas pelas socializações secundárias. Elas existem e têm
seus critérios e suas regras. Para conectar as bagagens individuais aos
critérios e às regras é preciso haver coerência, disposição e sintonia.
Caso contrário, a vivência será um fracasso, uma farsa ou não acontecerá. Quanto
mais conectadas – as bagagens aos critérios e às regras – mais coesa é a
formação, a identidade e a personalidade dos mais novos. Lembrete: o olhar sobre o mundo real
e nossas (re)ações nele dependem das nossas bagagens.
Existem vários tipos de escolas. Cada uma com
seus critérios e suas regras. Cabe às famílias perceber o que oferecem aos
seus filhos e se eles, com suas bagagens, serão capazes de atender aos
critérios e às regras. As escolas públicas diferem das privadas e todas podem ser bancárias, religiosas, tradicionais ou vanguardistas, por exemplo. Todas não são
iguais apresentando diferentes abordagens e avaliações, metodologias, perfis
profissionais e públicos, entre algumas diferenças.
Ressaltemos que a relação família e escola não
é isolada. Não se mantém a socialização primária e adiciona-se outra. Outras
socializações são adicionadas e dão-se ao mesmo tempo: essa é a grande
problemática. Outras podem fortalecer como enfraquecer a conexão
família-escola. Todas, igualmente, oferecem informações, manias, posturas e valores
morais. Todas podem, com o tempo, alterar ou não as bagagens - de vivência e de interesses.
Quanto mais tempo, mais alterações ou mais
permanências sobre as bagagens. Logo, não basta apenas acreditar na escola. É
preciso acompanhar, de perto e com os olhos bem atentos, a formação dos filhos
até eles demonstrarem autonomia, criatividade, criticidade e responsabilidade. A ausência e a
desatenção tornam as socializações secundárias invisíveis. É como desconhecer a
origem de certas informações, manias, posturas e valores morais dos próprios
filhos: desconhecer algum lugar e alguns meios em algum momento.
Breves considerações
Breves considerações
Acumula-se na bagagem o que nos parece mais
importante e, é preciso ficar claro, que quem faz a seleção da bagagem é o seu
dono, consciente ou inconscientemente, com auxílio ou sem, desde a infância. O
dono da bagagem é o responsável pela sua manutenção, saiba ou não disso. Na
infância muito menos do que na adolescência. Só não podemos deixar de
reconhecer o autor da (re)ação como possuidor de uma bagagem intransferível e
única. Quem (re)age, (re)age por algum motivo e conforme sua bagagem afetiva,
cultural e intelectual. Sempre. Pode ser difícil de compreender, explicar,
perceber e prevenir, mas não é ilógico e impossível.
É preciso observar as convergências e
divergências: autoritarismo x liberdade, competição x cooperação, obediência x diálogo, reprodução x criação – sem exaltar a dicotomia; com a intenção de estabelecer os opostos em prol do equilíbrio. Evidentemente, a
divergência é desagradável e desfavorável e as convergências consolidam.
Exige-se, desse modo, uma imensurável atenção por parte da família. Sem atenção
não há cuidado.
Para finalizar, um exemplo simples: se na socialização primária, na família, não se cultiva o hábito da leitura e se escolhe uma escola dedicada ao cultivo deste hábito, os filhos podem apresentar alguma dificuldade e/ou resistência. Ou podem, pela influência de outras socializações secundários, cultivar tal hábito. Entretanto, se a família e as socializações secundárias não cultivam o hábito em questão, apenas a escola, a probabilidade de dificuldade e/resistência aumenta - ou não. O inverso, ao estimular convergências, pode garantir a incorporação deste hábito.
Por ser "una e múltipla", é preciso uma vigilância constante - sem sufocamento e pressão. Educar, como dizem, é isso: se for um processo fácil, não se está educando bem. Os deslizes podem comprometer a formação dos mais novos enquanto não há autonomia. Apenas depois da constatação de uma autonomia, com uma dose generosa de confiança - não romântica e ilusória -, é que educar fica um pouco mais fácil. Desse modo, é possível constatar que a escola nunca educou sozinha: sempre dependeu das bagagens oferecidas pela socialização primária e apenas tinha um maior protagonismo entre as socializações secundárias.
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BERGER, Peter; LUCKMANN, T. (1966). A construção social da realidade. Vozes: Petrópolis.
DURKHEIM, Émile (1978). Educação e Sociologia. Melhoramentos: São Paulo.
Para finalizar, um exemplo simples: se na socialização primária, na família, não se cultiva o hábito da leitura e se escolhe uma escola dedicada ao cultivo deste hábito, os filhos podem apresentar alguma dificuldade e/ou resistência. Ou podem, pela influência de outras socializações secundários, cultivar tal hábito. Entretanto, se a família e as socializações secundárias não cultivam o hábito em questão, apenas a escola, a probabilidade de dificuldade e/resistência aumenta - ou não. O inverso, ao estimular convergências, pode garantir a incorporação deste hábito.
Por ser "una e múltipla", é preciso uma vigilância constante - sem sufocamento e pressão. Educar, como dizem, é isso: se for um processo fácil, não se está educando bem. Os deslizes podem comprometer a formação dos mais novos enquanto não há autonomia. Apenas depois da constatação de uma autonomia, com uma dose generosa de confiança - não romântica e ilusória -, é que educar fica um pouco mais fácil. Desse modo, é possível constatar que a escola nunca educou sozinha: sempre dependeu das bagagens oferecidas pela socialização primária e apenas tinha um maior protagonismo entre as socializações secundárias.
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BERGER, Peter; LUCKMANN, T. (1966). A construção social da realidade. Vozes: Petrópolis.
DURKHEIM, Émile (1978). Educação e Sociologia. Melhoramentos: São Paulo.
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