Farei uso da minha
experiência docente [oito instituições] para listar algumas questões acerca da sala dos professores
– e, consequentemente, de aspectos relacionados com sua formação, suas práticas e
sua posição dentro (e fora) do processo educativo. Desse modo, não tenho a pretensão de
traçar um perfil docente com as linhas abaixo. Apenas gostaria de compartilhar olhares e
trazer à tona reflexões.
Nem todos os professores querem ser professores
Os professores aprendem sobre a docência por
meio de disciplinas específicas – ao longo do curso ou ao final dos estudos da
sua área. São disciplinas variadas e válidas para compreender o processo de
ensino-aprendizagem (burocracia e estrutura; meotodologias e teorias), não muito
bem-quistas pela maioria – assim como não são “difíceis”. Os motivos variam: i)
julga-se como mais importante os conhecimentos das áreas específicas; ii) as
licenciaturas são vistas como “segunda opção” de (sobre)vivência profissional;
iii) despreza-se a Educação como campo que exige e merece estudo, pesquisa e
reflexão; iv) acredita-se que existe ou adquire-se uma virtude para lecionar,
entre outros. Eis o primeiro grande problema: entrar em uma sala de aula sem
saber/querer ser professor.
Tradicionalmente, como sabemos, a docência foi
considerada uma atividade feminina por exigir características classificadas pela
sociedade e pelo tempo como maternais. Por
isso, a Educação Infantil e o Fundamental I (ainda) está composta por mulheres –
quase unanimamente. Como se os homens fossem os especialistas das disciplinas
mais difíceis e se fizesse necessário a partir do Fundamentai II e do Médio:
misoginia histórica e secular que tem mudado um pouco nos últimos anos. Toda
essa confusão gera um segundo problema: a escola e os professores não são
extensões da casa e da família – podem ser, mas não devem ser. A escola moderna
tem objetivos próprios como uniformizar a diversidade.
Agora, imagine: um professor que não aprendeu
direito ou nunca quis lecionar depara-se com uma burocracia escolar sufocante,
cobranças institucionais e familiares e pouco tempo para tanto. Saídas
acessíveis: fazer o mínimo, fazer o suficiente ou fingir que faz. Já aqueles
que aprenderam e quiseram ser, destacam-se e o destaque é admirado pelos
alunos, não muito bem visto pelos colegas e (muitas vezes) não reconhecido pela
instituição.
Em tempo de interdisciplinaridade e projetos, a
maior dificuldade é reunir os professores e fazê-los trabalhar juntos. Privar-se
da sua onipotência é um sacrifício para centenas: é, praticamente, o que lhe
faz manter-se na profissão. Mesmo sabendo que o trabalho coletivo é mais rico e
garante melhores resultados, resiste-se com frequência. A cooperação não é o
forte entre os docentes. Dentro de um espaço que exalta a competição, eles não
ficam de fora.
Professor é um ser humano como outro qualquer.
É desumano colocar uma cruz e suas costas e exigir a cura dos males do mundo.
Historicamente, o professor pode ser uma possibilidade de abertura ao mundo
através da apresentação de conhecimentos específicos e de orientações
filosóficas. Entretanto, o formato da escola transformou-se, a educação passou
a ser ainda mais mercantilizada, as ciências foram desvalorizadas e as salas de
aula um repositório de dezenas de alunos.
Qual é o profissional que atende dezenas de pessoas
ao mesmo tempo e em menos de uma hora tendo de garantir a qualidade do serviço
no interior de cada um? Quase um mágico. Esquece-se do papel da família, da
influência das crenças religiosas e da mídia, dos amigos e vizinhos, de tudo
que nos envolve. Quem é responsável pelo ensino é o professor!
X professorx que tem um gênero, uma origem
social, uma família – ou não –, uma religião – ou não –, uma trajetória
escolar, um casamento – ou não –, filhxs – ou não –, consumos e hábitos culturais,
uma orientação sexual, uma vida. Acerta, erra, sofre, comemora. Essa humanidade
precisa existir. O trabalho educativo é coletivo ou não é.
Imagina-se que os professores são os motores da
transformação social. Contudo, é muito comum constatar que muitos professores
apresentam uma mentalidade e uma postura bem conservadora e tradicional – frutos
de suas formações familiares e escolares. Não devemos nos assustar se muitos
deles apresentam uma mentalidade e uma postura semelhantes às dos pais. É como
se muito professores assegurassem a manutenção do senso comum – mesmo sabendo
que a eles caberiam questioná-las.
É importante destacar que na escola também se
faz política uma vez que dentro dela forma-se cidadãos. Não se pode isolar os
conhecimentos específicos da realidade social. Isolá-los é (também) fazer
política. Se a escola não tem como base a criticidade e a funcionalidade dos
seus conteúdos, nada está sendo feito. Ou, como se sabe, a escola apenas
reproduz a desigualdade que existe fora dela. Se os professores não têm essas
bases, pior ainda.
Hora do intervalo: absurdos
com café
Por muito do citado acima, absurdos são ditos
entre goles de café. O profissionalismo de muitos desaparece – ou parece não
existir. Diversos termos usados para falar de alunos (os professores de alunas,
as professoras de alunos, ambos dos mais “inteligentes” e dos mais “burros” e “problemáticos”)
e colegas são inaceitáveis. Os assuntos abordados, muitas vezes, são os mesmos
da rua: futebol e novela. Celular na mão o tempo todo: seja redes sociais, seja
jogos. Tudo parece ser melhor do que diálogos sobre temas atuais e sérios, relatos
e trocas.
Não são queridos o que gostam de falar sobre suas experiências e sobre Educação. Assim como os que vivem atualizando suas leituras, buscando cursos de formação complementar e planejando atividades e projetos diferentes e ousados. A tensão é algo sempre presente entre os docentes, assim como entre os alunos. Muito há de semelhante entre esses dois mundos. Seria engraçado se não fosse trágico.
Não são queridos o que gostam de falar sobre suas experiências e sobre Educação. Assim como os que vivem atualizando suas leituras, buscando cursos de formação complementar e planejando atividades e projetos diferentes e ousados. A tensão é algo sempre presente entre os docentes, assim como entre os alunos. Muito há de semelhante entre esses dois mundos. Seria engraçado se não fosse trágico.
Reclama-se de tudo: do próprio café à
coordenação, das observações familiares, da indisciplina, do salário e da falta
de expectativas/perspectativas. Parece uma sala de guerreiros traumatizados e revolucionários
frustrados. Cansados, desmotivados,
sobrecarregados. Mas ali, presentes, diariamente. É um cotidiano difícil –
ainda mais quando os professores deparam-se com agressão verbal e física, desrespeito
e indiferença – por parte de alunos, pais e os próprios colegas.
O falso prestígio
social
A hipocrisia da valorização nacional dos professores começa com "Nossa, você é professor!" e termina com "Você só dá aula?". Desconhece-se a estrutura educacional e a realidade docente. Cobra-se sem conhecer. Exige-se muito oferecendo pouco. Zomba-se de greves e protestos. Afirmar que a Educação é o que há de mais importante não basta - e se fortalece a hipocrisia.
Se todos estivessem realmente preocupados com a formação dos mais novos, todos estariam participando com atenção, criticidade e motivação dela. Todos, juntos, coletivamente: acompanhando, dividindo as tarefas, estimulando as partes, lutando pela conquista e pela garantia de direitos. Enquanto isso não acontece, a culpa tende a cair sobre as costas dos professores.
Não se valoriza o trabalho de quem carrega a cruz, mas quem carrega deve continuar carregando. É mais cômodo e conveniente para as extremidades. Um culpado é preciso para justificar os "fracassos". Mesmo com todas as problemáticas de formação e de atuação profissional, achar que o trabalho do professor deve ser individual é um tremendo absurdo. O professor não é o dono do saber nem existe apenas para transferir conhecimentos. Professor é um mediador: ele encontra-se perto daquele que está a tornar-se um ser social.
Abandonar a carreira está cada vez mais na moda e nos sonhos. Muitas vezes é preciso desistir para cuidar da saúde; para cuidar de si. Continuar é insistir. Independente de tudo, ser professor é resistir.
Abandonar a carreira está cada vez mais na moda e nos sonhos. Muitas vezes é preciso desistir para cuidar da saúde; para cuidar de si. Continuar é insistir. Independente de tudo, ser professor é resistir.
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