Os
primeiros passos
Nos
primeiros meses, os encontros aconteciam, principalmente, aos
sábados. Isso porque, dentre inúmeros motivos, era difícil para
alunos de 6 a 17 anos, organizarem-se para as atividades do projeto mais as suas
aulas “normais”. Ninguém aparecia durante a semana, mesmo que a maioria morasse nos arredores da escola,
a gestão familiar carecia de estrutura e organização. Por outro
lado, os colegas poderiam insistir em casa e se
organizar para conferir juntos o que acontecia nas aulas do novo
professor aos sábados – a escola já vinha tendo experiência com a animação
cultural, nenhum, contudo, tinha durado tanto tempo na escola até o momento e teve como objetivo formar um grupo fixo: era muito comum os animadores
culturais desejarem ser ou serem transferidos de escolas por diferentes razões; estudantes tinham o receio de participar de algo que não iria continuar.
Aproveitei os sábados,
portanto, como porta de entrada para os encontros
semanais planejando um dia repleto de atividades plásticas sobre
festas populares e temas transversais – como Carnaval e São João,
principalmente; cidadania, diferenças sociais, gênero, identidade,
meio ambiente, tolerância cultural e religiosa e violência urbana,
entre outros; de dinâmicas de grupo a alongamentos e
brincadeiras, de muita música e sem esquecermos a hora da merenda,
claro: um dos atrativos que passou a servir como momento para
reforçar o convite e os laços. Era muito mais prazeroso do que cansativo.
A
rotatividade de alunos foi significativa nos primeiros meses,
dificultando a formação de um grupo fixo e facilitando
minha aproximação com diferentes perfis de alunos - como alguns da
Educação Especial que me apresentaram e emprestaram um dicionário
de LIBRAS para estimular uma possível e futura convivência. Foi
preciso, então, planejar bem a (minha) primeira colônia de férias (junho de 2003), para que conseguíssemos alcançar outros objetivos.
As
colônias de férias e o surgimento do grupo Culturação
Cartolina
e outros papéis,
tintas e pincéis,
giz de cera e lápis
de cor, jornais e revistas
para recortar,
tesoura e cola. Diversas imagens específicas
previamente selecionadas,
uma caixa
de som e mais músicas (a
playlist era selecionada por mim, mas os alunos tinham o momento de colocar as músicas que quisessem na hora da
merenda). Bola e jogos dentro da escola e na praça ao lado do colégio (na frente da
Colônia Penal Feminina Bom Pastor).
E, para descansar, depois da
merenda, uns
alongamentos, uns
movimentos e um
bate-papo
sobre cultura
popular: as danças e suas histórias.
Foi
durante a colônia de férias que eu conheci melhor
aquela
realidade escolar, enquanto
os alunos passaram
a achar as atividades “bacanas”, “divertidas” e “legais” –
sempre destacando a necessidade de uma “rotina do
encontro”: hora de brincar,
hora de fazer, hora de escutar, hora de falar, hora de alongar e hora de mexer
o esqueleto. Uns
começaram a
chamar outros - da própria escola, de outra ou da vizinhança – para
os encontros semanais e
alguns desejaram
e comprometeram-se em formar um grupo fixo. Esse
grupo, por sua vez, teve como princípio ser coletivo:
todos participavam e
todos preservavam. Não havia dono. Todos eram
responsáveis por ele.
Esse
grupo consolidou-se ao longo do semestre e da segunda colônia de férias (janeiro de 2004). Para essa, eu
e os alunos pensamos em tudo juntos. Das
atividades dentro da escola e fora dela à
grande novidade: um passeio
por alguns pontos turísticos (Monte dos Guararapes, Marco Zero e
Museu do Carnaval) com direito à lanche e ônibus. A condição para participar do passeio era participar dos encontros – se "comportar bem" e apresentar a autorização de um responsável.
Foi ótimo: os
alunos adoraram porque muitos não conheciam as
regiões da sua cidade e
suas histórias por viverem apenas
no e pelo seu bairro.
Contudo, os principais alunos do grupo mudaram de escola e foi preciso, no início de mais um ano letivo, renová-lo. Essa renovação fez brotar um grupo mais coeso formado por meninas e meninos de idades e
turmas diferentes – vale a
pena destacar a participação de alunos “não-ouvintes”; chegando um deles a se destacar e dançar na frente dos demais.
Durante a semana, os
encontros eram dedicados ao grupo fixo
e, aos sábados, aberto a todos. E, como
a palavra cultura
sempre era muito citada
- e um nome para o grupo era fundamental e
preciso - surgiu o grupo
“CulturAção” - sugerido
por um aluno e escolhido pela
maioria. Acredito
ter sido o segredo destacar a
todo o momento que “se há
grupo era
porque a participação de
todos era muito
importante”.
Resumindo: se todos
participavam, tudo era nosso. Se
surgisse algum tipo de reclamação, por exemplo, todos tinham
falhado e o grupo tinha errado. Era
preciso cuidar do que tinha acabado de surgir e poderia enfraquecer/desfazer.
As
primeiras apresentações: mulher, indígenas e ciranda
As
primeiras apresentações foram “encomendadas” (Dia Internacional da Mulher, Dia dos Povos Indígenas e Festa de São João) pela direção da escola. Em
outras palavras, o grupo foi inserido nos eventos e ganhava o espaço para se apresentar no palco para toda a escola. A primeira foi bem
simples: oferecemos às mães uma coreografia com a música Rosa,
de Pixinguinha e cantada por Marisa Monte. Mais emocionante do que
clichê [sem registro].
O resultado foi mais do que positivo e, depois da “estreia”, foi muito mais fácil retomar a minha proposta inicial: trabalhar as danças populares. Por isso, para o Dia dos Povos Indígenas, organizamos uma coreografia bem curta e diferente com a música Koi Txangaré - um canto bem “estranho” para os alunos e musicado pelo grupo Mawaca [sem registro]. Fomos mais além do que somente montar uma apresentação: conversamos sobre a história indígena, pensamos as pinturas corporais e confeccionamos as roupas com palhas de coqueiro. Foi um sucesso e nos fez ir um pouco mais além.
O resultado foi mais do que positivo e, depois da “estreia”, foi muito mais fácil retomar a minha proposta inicial: trabalhar as danças populares. Por isso, para o Dia dos Povos Indígenas, organizamos uma coreografia bem curta e diferente com a música Koi Txangaré - um canto bem “estranho” para os alunos e musicado pelo grupo Mawaca [sem registro]. Fomos mais além do que somente montar uma apresentação: conversamos sobre a história indígena, pensamos as pinturas corporais e confeccionamos as roupas com palhas de coqueiro. Foi um sucesso e nos fez ir um pouco mais além.
A
terceira foi um coco para o São João [sem registro]: o número de
participantes foi maior e chamou mais atenção da escola. Passava a
ser interessante participar daquele grupo porque ele estava a crescer
não só em quantidade. A música usada foi Coco da bicharada, de Antônio Carlos Nóbrega, bem lúdica, o que tornou a apresentação bem engraçada. O grupo, então, já se mostrava pronto para aprender aquele ritmo mais rápido que sempre animava tudo nos
encontros e nas colônias de férias: o frevo. As acrobacias e a
sombrinha tornaram-se o alvo do grupo e, assim, montamos a quarta
apresentação com a música Pé de camurça, do grupo armorial SaGrama.
A
parceria dos professores e as culturas de matriz africana
O
grupo dava cada vez mais certo e mais uma colônia de férias
estava se aproximando (julho de 2004). Dedicamos toda ela as
manifestações culturais de matriz africana – pelo simples fato de
serem múltiplas, próximas ao frevo e familiar ao perfil dos alunos, da
escola e do bairro. Aprendeu-se um pouco de capoeira, maculelê,
afoxé, maracatu e samba. Discutiu-se a história das danças e
misturamos tudo com as nossas histórias - assim como pensamos e
repensamos, superficialmente, o que seria a tal “macumba”. Fizemos um mix com
tudo, ensaiamos muito e apresentamos a música Rabecada, mais uma do SaGrama, no Dia da Consciência Negra. Após a apresentação, um
episódio simbólico, inesperado e inesquecível aconteceu: a
diretora falou sobre a importância e a presença da cultura negra na sociedade e perguntou, ao microfone, “quem trouxe tudo isso para nós?”. Em
coro, os alunos responderam: “Tio Danilo”! Claro que a resposta “certa” seria “os africanos escravizados” ou “os negros”. Enfim, continuamos a trabalhar...
Em
uma das reuniões de professores surgiu a ideia de selecionar aqueles
alunos mais “bagunceiros”, “capetinhas” e “difíceis”
para participarem de alguns encontros do grupo. O objetivo era,
digamos, “acalmá-los”. E deu certo. Só que os
alunos não ficaram mais calmos: eles aprenderam com os
demais do grupo que era preciso respeitar a hora de brincar, a hora de fazer, a hora de escutar, a hora de falar, a hora de alongar e a hora de mexer o esqueleto. Sem esse respeito, não seria possível o encontro. Respeitar esses acordos, afinal, era e é
fundamental dentro e fora de sala de aula. Conclusão (minha e de
algumas professoras): muitos passaram a “chamar a atenção” de
outra forma, respeitando mais os acordos em sala de aula e
participando do grupo e das suas participações no palco da escola.
A
despedida: colônia de férias, festival de dança e apresentação
contemporânea
Já não tínhamos tanto tempo. Apenas
mais uma colônia de férias (dezembro de 2004) e o início do ano –
até o mês de maio. Mas era preciso fazer algo a mais para fechar
com chave de ouro e celebrar toda a árdua e meteórica caminhada. Por isso, juntos,
usamos a colônia de férias para fazer tudo o que já fazíamos e
organizar um festival de dança na escola – contando com a
participação de outros grupos, de outras escolas, de outros
animadores culturais.
Relembramos as apresentações e as
coreografias, reorganizamos os elencos, confeccionamos e fizemos o
acabamento de todos os adereços e vestimentas com materiais
reaproveitáveis. Selecionamos – eu, a direção, as professoras e
o departamento - um sábado, organizamos os convidados, solicitamos
os transportes e elaboramos o roteiro das apresentações. O nome dado ao
festival foi “Eu e o Outro” (março de 2005) e só não deu
mais certo porque não deixou nenhum registro comigo – sendo filmado e fotografado pela escola.
Como ainda faltava um tempo para o fim
do contrato depois do festival, decidi avaliar essa caminhada com os
alunos visando montar uma apresentação diferente e um pouco mais
reflexiva para nossa despedida. Conversamos bastante sobre a
realidade fora e dentro da escola a partir das manchetes de um jornal
popular bem popular e “sangrento”, a Folha de Pernambuco, e pensamos
bastante sobre tudo ao som da música Paciência, de Lenine.
Foi assim que surgiu uma coreografia “contemporânea” - mesmo
eles não entendendo bem a linguagem ou não – cheia de movimentos, com maquiagem, vestindo notícias e tendo como companheira uma cadeira escolar. Com uma música densa, gestos
sensíveis e um silêncio por toda a escola, encerramos a nossa
desafiante e surpreendente trajetória.
[Não foi nada fácil para um professor (bastante novo, 18) no início da Graduação. Foi um excelente primeiro desafio (visto também que a professora de Artes já matinha um grupo de dança). Foi preciso amadurecer, (pessoal e) profissionalmente, rápido demais para perceber que sem o trabalho em equipe a docência não consegue muito ou quase nada. Junto é bem mais fácil. Lógico que contei também com a sorte: a eficiente gestão da escola, a competência e a dedicação da equipe de professores e o afeto dos funcionários e das merendeiras foram fundamentais. Em contrapartida, foi difícil constatar a distância existente entre a escola, os alunos e suas próprias famílias. Vale destacar que, por um tempo, outra animadora (de teatro), Ana Paula, esteve na escola por um curto período e trabalhamos juntos e em paralelo. Mantenho até hoje o contato com algumas educadoras e espero muito que todos os alunos e funcionários estejam bem!]
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